Por João e Silva, Gabriela Souza, Lícia Júlia.
A QUEM PERTENCE? As paredes nem existem mais, a estrutura já foi totalmente comprometida e está tomada pelos matos. Essa é a atual situação de um dos hotéis mais importantes do Recôncavo Baiano no século 20, o Hotel Colombo. Mas, apesar da sua relevância, ninguém quer tomar a responsabilidade do imóvel que reflete a história de Cachoeira.
De um lado, Raimundo Coelho, um dos empresários mais conhecidos da cidade. Ele foi o último a comprar o imóvel no final dos anos 90. Do outro, a prefeitura de Cachoeira e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que desapropriou o edifício do seu dono em 2014.
O objetivo da desapropriação era restaurar o imóvel de 1,4 mil m² tombado em 1971 e transformá-lo num anexo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), e assim sediar o curso de Arquitetura. Mas após a retirada da posse, a prefeitura percebeu que o investimento não valeria a pena pelo custo (um dos motivos do abandono do prédio pelo Raimundo Coelho). E foi nesse período que o conflito começou.
Cinco anos depois, em 2019, parte da estrutura veio abaixo. A notícia ganhou força na região, e logo a população estava em busca do responsável. Ninguém queria assumir a culpa. Em nota, o IPHAN não se responsabilizou: “o tombamento é o reconhecimento da relevância de um bem enquanto Patrimônio Cultural, mas não tira do proprietário o dever de manutenção do espaço”.
A prefeitura de Cachoeira, por sua vez, se manifestou dizendo que o imóvel não é da prefeitura, mas que iriam ajudar na limpeza dos destroços. Tentaram entrar em contato com o proprietário, mas não houve resposta. Raimundo Coelho, o último dono do Hotel Colombo, também lançou uma nota negando a responsabilidade. “Ainda que até a presente data não tenha realizada a devida indenização pela desapropriação, a Prefeitura jamais devolveu a posse do imóvel ao antigo proprietário, que se tornou simples terceiro na relação com o móvel”, esclareceu o empresário.
Esse conflito ganhou força desde então, mas há alguns anos um processo judicial de 165 páginas envolvendo os três antigos donos, suas famílias e a prefeitura, busca responsabilizar alguém por aquele que já foi um orgulho da cidade.
Após tanto descaso em ambas as partes, a estrutura desabou novamente no início de 2024. Só que dessa vez tudo veio abaixo. A fachada principal que identificava o casarão desmoronou no início da noite do dia 18 de fevereiro, atingindo carros que estavam em volta. A repercussão dessa vez foi nacional, mas o embate continuou e a prefeitura mais uma vez jogou a responsabilidade para Raimundo Coelho. O desmoronamento gerou uma multa de R$700 mil reais para o empresário.
DO AUGE ÀS RUÍNAS
A Guerra Civil na Espanha foi o estopim para a construção do Hotel Colombo em Cachoeira. Aurelio Bouzas deixa tudo para trás nos anos 30 e chega ao Brasil em busca de um recomeço. O Recôncavo Baiano foi o local. Ele fez da região a sua casa, e marcou a história de Cachoeira, inaugurado em 1940 o Colombo. O primeiro hotel de grande porte da região.
O empreendimento foi um acerto na vida de Aurélio. O movimento era grande, principalmente ocasionado pelo conhecido ‘Vapor de Cachoeira’. Esse era um serviço de transporte fluvial a vapor, que fazia a rota Salvador-Cachoeira. Segundo Raimunda Bouzas, nora de Aurélio Bouzas, os hóspedes que chegavam nos barcos ficavam cerca de uma semana no hotel.
Os pesquisadores Lise Anne e Lúcio José publicaram o artigo ‘Um olhar sobre o abandono afetivo dos patrimônios históricos de Cachoeira’, que conta que naquela época Cachoeira era considerada o polo econômico da Bahia, por conta da produção de açúcar e fumo. Então esse fator fazia o hotel ter tanto movimento. Dentre os hóspedes, vários famosos já passaram pelos 66 quartos do Colombo: Gilberto Gil, Cauby Peixoto e Ângela Maria foram alguns deles.
A movimentação na Rua 25 de Junho – onde se localiza o hotel – beneficiava todos os comércios ao redor do Colombo. Pedro Silvestre Pascoal, conhecido como Pedro Morotó, 72, teve um bar por 15 anos no térreo do imóvel e relata os momentos bons que viveu na época: “Tinha as embarcações que vinha direto, tinha os viajantes que moravam em cima. Antigamente aqui era o centro comercial do Recôncavo. O que me marcou foi os bons clientes que eu tinha na época, que era uma clientela muito boa. Tinha seresta, tinha samba de roda, Edson Gomes já tocou ali, Tin Tim Gomes já tocou ali, era muito bom”, relembra.
Entre os anos de 1950 e 1960, devido à demanda, o Colombo ganhava o segundo e terceiro andar para acomodar mais hóspedes. Essa expansão deixou os sonhos do Aurélio ainda mais bonitos. Um prédio com uma fachada de destaque, com um grande letreiro no topo. O tempo glorioso do hotel, inclusive, ficou eternizado no filme “O Mágico e o Delegado”, de 1983, dirigido por Fernando Coni Campos.
As coisas começaram a mudar em 1972, quando Aurelio Bouzas morre. O seu sonho passa para as mãos de Manoel Carlito, o “Carlito Muquibão”, que não providenciou melhorias e negligenciou a estrutura. Combinado a isso, com a chegada das rodovias a localização da cidade não era mais estratégica. Feira de Santana toma o poder de Cachoeira, ao se tornar um ponto rodoviário de importância no estado.
Com Carlito Muquibão aos poucos os quartos foram sendo fechados, só restando o térreo em funcionamento. No início dos anos 90 o Colombo fechava as portas. Vendo que não tinha mais solução, Muquibão resolve vender o hotel e faz ofertas a algumas pessoas da cidade. Dentre eles, Pedro Morotó. “Na época eu não tinha dinheiro. Era cerca de 105 mil reais. Era muito dinheiro naquela época”, contou.
A venda foi firmada em 1992. O comprador, nascido em Cachoeira, era um empresário bem de vida e colecionador de casarões antigos. E também, o último dono do que sobrou do Hotel Colombo: Raimundo Coelho.
CASARÕES ANTIGOS QUE CARREGAM A MARCA DO ABANDONO
O cenário de descaso e abandono é apresentado em outros edifícios espalhados pela cidade. Um exemplo disso é a Pousada D’Ajuda, há 200 metros do Hotel Colombo. A propriedade fica localizada ao lado do Museu da Boa Morte, ponto turístico que recebe visitantes durante todo o ano. O edifício já apresentava desgastes e problemas na estrutura a tempos, mas foi durante a pandemia que teve suas atividades suspensas. Atualmente, o prédio recebe algumas manutenções, como suportes de madeira em suas paredes para que continue de pé.
As negligências com o patrimônio da cidade também ocorrem em solo sagrado. A Igreja dos Remédios, localizada no centro comercial de Cachoeira, sofre com o desgaste do tempo. Completamente ignorada pelos órgãos públicos, em 2013 foi pauta do Jornal Reverso. Dez anos depois, as condições estão piores e nada foi feito.
O PERIGO PARA A POPULAÇÃO
Ao passear pela cidade histórica de Cachoeira nos deparamos com belas paisagens, mas a atual situação dos casarões abandonados chama atenção de quem passa. Natural de Cachoeira, Maria Rosa Lima, conhecida como Dona Netinha, 69, afirma: “Se você for correr Cachoeira toda vai achar muito prédio à toa, caindo aos pedaços. Ninguém faz nada”.
O imóvel do antigo Hotel Colombo, por exemplo, que já tinha desabado parcialmente em 2019, preocupava a população, que temia o que aconteceu no dia 18 de fevereiro. Os moradores da região ainda no fim de 2023 reclamam que pedaços de pedras vinham caindo constantemente. Durante a nossa apuração, trabalhadores de uma oficina mecânica ao lado das ruínas alertaram a nossa equipe em relação ao perigo de se aproximar da calçada do prédio pelo risco iminente de desabamento. Que se concretizou.
Há um nítido contraste acerca dos relatos de um tempo próspero e da atual situação da cidade. O Hotel Colombo é um exemplo disso. Para os cachoeiranos, principalmente os mais velhos que viveram ou presenciaram o auge do hotel, ver sua situação atual é impactante. “É triste ver uma situação dessa. Aquele Hotel Colombo não era para estar assim não, ali era um espaço visitado por todo mundo”, lamenta Dona Detinha.
O IPHAN, em nota, disse que não tem planos para restaurar o imóvel, e que não pode tratar de assuntos de propriedade privada. “Informações sobre propriedade de imóveis tombados são de cunho pessoal e não podem ser divulgadas”, esclareceu.
A nossa equipe de reportagem também entrou em contato com Raimundo Coelho, mas até o momento em que a reportagem foi finalizada, não obtivemos respostas.
A muito tempo esses casarões vem pedindo socorro na Bahia. Principalmente na região do recôncavo baiano. Em São Paulo tem um projeto para restaurar todos os casarões do século XVI . Em Salvador ensaiaram, mas a politicagem ferra com tudo.
A tendência é cair um por um. Aí não temgeito não. Não tem verba para requalificar tudo. E mesmo que tivesse o governo não tem interesse. Principalmente o Atual.